Para que serve a leitura?
Osvaldo Felix da Silva
Certamente, o pior analfabeto é aquele que aprendeu a ler e não lê. É fácil reconhecer um e eles estão em todos os segmentos da sociedade: são profissionais formados, estudantes de todos os níveis escolares (inclusive universitários), empresários, políticos, pessoas ricas ou pobres. Normalmente falam mal e escrevem ainda pior a língua de origem; empregam clichês em demasia e acreditam que melhorar de vida seja simplesmente aumentar a própria capacidade de consumo. Sustentam seus pontos de vista com fragilidade de razões, cedem facilmente ante a severidade e respondem com insolência à brandura. Eles apreendem apenas a superfície da realidade, mas acreditam compreendê-la profundamente. Sofrem de um tipo especial de miopia, porque acreditam que enxergam longe quando apenas enxergam pequeno.
Esse tipo de analfabeto entende por “experiência de vida” apenas as situações vivenciadas no cotidiano e não raramente acha que conhecer o mundo através dos livros e da arte é não ter experiências próprias. Mal sabe ele que a vida real nos obriga a fazer escolhas e que o tempo fecha gradativamente o leque das possibilidades, enquanto a literatura nos possibilita viver aquilo que a realidade não nos permite, introduzindo-nos numa dimensão onde o espírito e o intelecto humano conseguem colher os elementos essenciais para a formação de um ser humano melhor.
Aquilo mesmo a que chamamos inteligência o analfabeto desconhece. Talvez, se ele soubesse que a palavra inteligência vem do latim intellegere (inter- significa “entre” e legere“ler”, “recolher” ou “fazer escolhas”) e que portanto o inteligente é aquele que sabe ler as entrelinhas da vida e escolher para si o que ela pode lhe oferecer de melhor, talvez ele sentisse necessidade de ampliar a própria capacidade de percepção e de buscar na leitura das obras literárias e na leitura da vida o alento necessário à constituição de um ser humano mais íntegro e mais humano. Se ele soubesse que o mesmo radical legere está na origem de palavras como elite (os escolhidos pelo social), eleito (os escolhidos pelo voto) e elegante (os escolhidos pelas maneiras), talvez ele fizesse melhores escolhas.
Aquele que não sabe ler não sabe escolher. Ele vive à sombra de uma ideologia que lhe oculta a realidade, induzindo-o, por exemplo, a acreditar que o fato de ser portador de um diploma universitário poderá lhe dar melhores condições de trabalho, quando ele nem mesmo sabe redigir corretamente o próprio currículo. Essa mesma ideologia faz com que ele escolha mal os seus representantes políticos, levando-o, posteriormente, a se queixar das arbitrariedades dos homens públicos que se elegeram às custas de sua ignorância. Leva-o a falar em direitos humanos, mas o faz acreditar que os seus direitos são mais urgentes que os direitos do seu próximo.
A leitura é essencial para a vida, para o intelecto e para a alma. Não há criatura verdadeiramente inteligente que não seja bom leitor. A literatura é capaz de proporcionar ao homem um equilíbrio psicológico e moral e é capaz de integrá-lo à realidade que o cerca, possibilitando-lhe uma compreensão de seus direitos enquanto ser humano, fazendo-o entender que aquilo que é indispensável para ele é também indispensável para o próximo.
A função da leitura, da leitura de obras literárias, além de instruir o leitor e de capacitá-lo a fazer escolhas mais adequadas e mais conscientes, é, sobretudo, a de humanizá-lo. A literatura é essencial para a formação do espírito e do intelecto do homem, assim como o alimento é essencial para a formação e desenvolvimento do seu corpo.
Distante da leitura, o homem fica próximo das armadilhas letais de um sistema que o desestrutura psicológica e humanamente, restringindo sua capacidade de influir positivamente sobre o próximo e reduzindo-o a mero componente de uma engrenagem que coloca em movimento acelerado os mecanismos que dissolvem a qualidade da vida.